Desparecido
1935
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Desparecido
1935
Apelo à Poesia Por que vieste? — Não chamei por ti! Era tão natural o que eu pensava, (Nem triste, nem alegre, de maneira Que pudesse sentir a tua falta... ) E tu vieste, Como se fosses necessária! Poesia! nunca mais venhas assim: Pé ante pé, covardemente oculta Nas idéias mais simples, Nos mais ingênuos sentimentos: Um sorriso, um olhar, uma lembrança... — Não sejas como o Amor! É verdade que vens, como se fosses Uma parte de mim que vive longe, Presa ao meu coração Por um elo invisível; Mas não regresses mais sem que eu te chame, — Não sejas como a Saudade! De súbito, arrebatas-me, através De zonas espectrais, de ignotos climas; E, quando desço à vida, já não sei Onde era o meu lugar... Poesia! nunca mais venhas assim, — Não sejas como a Loucura! Embora a dor me fira, de tal modo Que só as tuas mãos saibam curar-me, Ou ninguém, se não tu, possa entender O meu contentamento, Não venhas nunca mais sem que eu te chame, — Não sejas como a Morte! Teatro da Boneca A menina tinha os cabelos louros. A boneca também. A menina tinha os olhos castanhos. Os da boneca eram azuis. A menina gostava loucamente da boneca A boneca ninguém sabe se gostava da menina. Mas a menina morreu. A boneca ficou. Agora já ninguém sabe se a menina gosta da boneca. E a boneca não cabe em nenhuma gaveta. A boneca abre as tampas de todas as malas. A boneca é maior que a presença de todas as coisas. A boneca está em toda a parte. A boneca enche a casa toda. É preciso esconder a boneca. É preciso que a boneca desapareça para sempre. É preciso matar, é preciso enterrar a boneca. A boneca. A boneca. Desaparecido Sempre que leio nos jornais: "De casa de seus pais desapareceu. . . " Embora sejam outros os sinais, Suponho sempre que sou eu. Eu, verdadeiramente jovem, Que por caminhos meus e naturais, Do meu veleiro, que ora os outros movem, Pudesse ser o próprio arrais. Eu, que tentasse errado norte; Vencido, embora, por contrário vento, Mas desprezasse, consciente e forte, O porto de arrependimento. Eu, que pudesse, enfim, ser meu — Livre o instinto, em vez de coagido, "De casa de seus pais desapareceu..." Eu, o feliz desaparecido
